Essa é uma das diferenças mais marcantes que brasileiros de classe média percebem ao ir morar na Alemanha. Na Europa ocidental em geral a figura da empregada doméstica é incomum, e os serviços domésticos são feitos pelos próprios moradores ou, quando muito (mas raramente), vez ou outra por uma diarista que cobra por hora.

A explicação mais óbvia é que se paga muito mais por hora na Alemanha do que no Brasil, e que a diferença entre o salário mínimo e um bom salário de classe média é BEM menor do que no Brasil.

Mas quando essas duas realidades se afastaram tanto? Porque, como você vê na foto do post (da série Babylon Berlin, sobre o entreguerras), manter empregadas domésticas em casa era um costume na Alemanha também.

A resposta tem a ver com a guerra e a industrialização: quando a Primeira Guerra foi anunciada, muitas famílias de classe média alemãs dispensaram as empregadas domésticas (trabalho exercido por mulheres alemãs de classes mais baixas) com medo do tempo de carestia que viria. 

Com isso, as mulheres de classe média acumularam serviços domésticos. No fim da guerra, o governo tentou direcionar mulheres de classes baixas de empregos na indústria para o emprego doméstico, mas elas preferiam as condições de trabalho e o status dos empregos em escritórios e comércio (falamos mais disso no post de ontem).

A industrialização, que havia engrenado na Alemanha muito antes do que no Brasil, fez com que, durante a República de Weimar, as mulheres de classe média tivessem acesso a diversos eletrodomésticos para aliviar esse trabalho de casa antes feito por empregadas, além de cozinhas planejadas da Bauhaus para tornar esse trabalho mais moderno e eficiente.

No Brasil, o trabalho doméstico tem uma característica fundamental bastante diferente da Alemanha: a continuidade histórica com as escravas domésticas. Como a ex-colônia que escravizou mais africanos e última a abolir a escravidão nas Américas, o Brasil não teve um planejamento de integração social ou econômico aos libertos. [termina nos comentários…]

Assim, muitas escravas domésticas continuaram trabalhando nas mesmas casas, mas em troca de uma remuneração baixa que era considerada uma dádiva pelos patrões. O racismo estrutural restringia a contratação de mulheres negras na maior parte das ocupações, e essa população também tinha menos acesso à educação e, portanto, ao trabalho qualificado. 

Por N motivos (que não cabem neste post), esse quadro permaneceu praticamente inalterado até o século XXI, e apenas nos últimos anos a figura da diarista vem substituindo a da empregada doméstica que mora na casa dos patrões ou que vai todos os dias. Mas a remuneração predominante baixa (a média salarial é abaixo do salário mínimo: R$ 931,20, ou R$ 748 para as 72% na informalidade) mantém essas mulheres em condição de pobreza.

Dados do IBGE mostram que o Brasil tem hoje cerca de 6,2 milhões de empregadas domésticas, 92% mulheres e 63% negras, apenas 28% com carteira assinada e, portanto, direitos trabalhistas. E mais: 18,6% de todas as mulheres negras que trabalham são empregadas domésticas hoje no país. 

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