Como este quadro representa a ideia de branqueamento do séc. XIX? E o que isso tem a ver com a Alemanha e a Europa em geral? No episódio 1, eu falei um pouco sobre como a ida dos europeus (e alemães em especial) para o Brasil estava relacionada à escravidão e às teorias raciais importadas da Europa no fim do século XIX.

O quadro A Redenção de Cam, de 1895, do pintor espanhol radicado no Brasil (e professor da Escola de Belas Artes) Modesto Brocos, é o símbolo dessa defesa que faziam autoridades da época do “branqueamento” da população brasileira, como forma de “diluir” a cor de pele buscando uma suposta pureza racial.

Vamos começar pelo título? Cam é uma referência ao filho de Noé em um dos mitos bíblicos, transformado em escravo da família por ter caçoado do pai diante de sua nudez e embriaguez. A história foi apropriada ao longo do tempo para referir-se aos povos africanos que, como descendentes de Cam, seriam amaldiçoados e fadados à escravidão. Já a palavra “redenção” tem a ver com libertação, vitória, salvação.

Mas qual salvação? Observe a tela: a mulher negra, à esquerda, é a avó da criança branca. Ela está de pés descalços, símbolo dos escravizados, que não podiam portar sapatos, e pisa em um chão de terra. Essa senhora agradece aos céus pelo “milagre”: livre da “maldição” de Cam, o futuro da família seria branco, considerado melhor, um progresso para a sociedade brasileira. O pintor representou uma gradação rumo a um futuro melhor, segundo os princípios do racismo científico: da terra ao piso, do descalço ao calçado, do preto ao branco, da barbárie à civilização. A criança ainda segura uma laranja, símbolo dos trópicos, sintetizando o futuro próspero e virtuoso do país.

A pintura de Brocos foi inclusive usada pelo diretor do Museu Nacional, João Batista Lacerda, para ilustrar sua tese apresentada no Congresso Universal das Raças em 1911, em Londres, defendendo que o Brasil seria branco em três gerações por meio da miscigenação. E a forma política de estimular isso à época foi incentivando a imigração de europeus para o Brasil, entre eles os alemães.

No episódio eu explico um pouco mais sobre essas teorias raciais (você pode ouvir nas plataformas de streaming ou no site do SPQF). Quer mais informações sobre esse quadro? Minhas referências foram as seguintes:

LOTIERZO, T. H. P. Contornos do (in)visível: A redenção de Cam, racismo e estética na pintura brasileira do último Oitocentos. 2013. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

BITTENCOURT, R. Modos de negra, modos de branca: o retrato “baiana” a imagem da mulher no século XIX. 2005. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

Vídeo da professora @liliaschwarcz.

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