Neste primeiro episódio do Somos pq Fomos, criamos pontes entre passado e presente para falar sobre imigrantes alemães que vieram para o Brasil nos séculos XIX e XX (parte 1, que você ouve no player acima), e brasileiros que fizeram o caminho contrário no século XXI (parte 2, que você ouve no player abaixo). Para essa segunda parte, convidamos o Thomás e a Fernanda, do podcast Alemanha Cast, sobre vida na Alemanha, para conversar sobre o assunto, já que eles fizeram em 2017 esse caminho do sul do Brasil para Baden-Württemberg, na Alemanha.
Para começar essa jornada, quero convidar você a imaginar que mora em uma pequena cidade, ou mesmo na zona rural, e nunca foi além de alguns quilômetros de casa. Nunca fez viagens para longe, ou pegou um avião. Tem contato apenas com a cultura local, e com as pessoas que moram no mesmo lugar que você. E de repente, algo grande acontece e torna as condições de vida onde você mora mais difíceis, ou até inviáveis. O que você faria?
Essa foi a situação da maior parte dos alemães que emigrou para as Américas nos séculos XIX e primeira metade do XX. No XIX, em geral eram camponeses que buscavam melhores condições de vida, assim como os brasileiros que vão hoje para a Alemanha em geral desejam o mesmo. Ao longo do episódio exploramos semelhanças e diferenças entre esses dois processos de imigração, e os anfitriões do Alemanha Cast contaram um pouco sobre seus antepassados e sua relação com as culturas alemã e brasileira. Em que medida se assimila a cultura do país para onde se emigra, e se contribui com a própria cultura?
A imigração no século XIX foi outro dia
Para entender por que o governo brasileiro fez um decreto pedindo especificamente imigrantes alemães, e por que os alemães, de tantos lugares, escolheram o Brasil, discutimos o contexto do século XIX e tudo o que estava acontecendo naquele momento e que impacta nossas vidas até hoje: Revolução Industrial, neocolonialismo, culto às máquinas, início do uso do petróleo (pensem em asfalto, combustíveis, plásticos…), criação da fotografia e do cinema… e também das teorias raciais e outras pseudociências. É tanta coisa que renderia um episódio próprio.
E nada de continuar falando que o século XIX faz parte de um passado muito remoto! Expliquei por que esse passado é recente, e pensar nele como algo muito distante ignora que as mudanças na sociedade são lentas e, mesmo sem perceber, ainda nos comportamos e emitimos opiniões que têm como base o pensamento do XIX, como por exemplo a ideia de progresso, de que estamos sempre “melhorando”.
A viagem insalubre dos imigrantes
Também falamos sobre a viagem da Alemanha para o Brasil: mesmo sendo bastante cara (o dobro da passagem para os Estados Unidos), era feita em condições de higiene sofríveis, fazendo com que doenças como a tifo e o cólera se espalhassem rapidamente, e muitos imigrantes não chegassem a conhecer seu destino final, morrendo no caminho. Chegando ao Brasil, depois de cumprir frequentemente quarentenas longuíssimas ainda nos navios, muitos alemães se estabeleceram no sul como pequenos produtores, onde era necessário ocupar o território para não perdê-lo.
Outros, na cidade de São Paulo, onde foram mal recebidos pela população, e em Petrópolis, onde se formou uma colônia alemã que inclusive esteve relacionada à espionagem da Gestapo, polícia secreta nazista, durante a 2ª Guerra Mundial (isso vai ser tema de um outro episódio, aguardem). A partir do fim do século XIX, alemães também substituíram a mão de obra escravizada nas fazendas paulistas, sendo fortemente explorados. O que essa imigração tem a ver com a eugenia, pensamento usado por Hitler para justificar as atrocidades nos campos de concentração anos depois, você descobre ouvindo o episódio.
O perigo alemão e as consequências para os imigrantes
Além de todas as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes alemães que discutimos ao longo do episódio – como a precariedade da viagem, falta de política de imigração do governo brasileiro, condições ruins de trabalho, promessas não cumpridas, custos de viagem não reembolsados –, a participação do Brasil nas duas guerras mundiais contra a Alemanha (tema de outros 2 episódios) tornou a vida desses imigrantes ainda pior. No contexto da 2ª Guerra Mundial, surgiu a expressão “perigo alemão” a partir do medo de que a população germânica apoiasse uma eventual tentativa de invasão do Brasil pela Alemanha.
Sob a ditadura nacionalista de Getúlio Vargas (1930-1945), os alemães foram forçados a abrir mão de sua cultura e língua. Teriam que falar em português nas ruas e nas escolas, e as colônias não poderiam ter mais do que 25% de estrangeiros. Os livros e publicações em línguas estrangeiras também foram controlados e proibidos.
É importante pensarmos no contexto da época, que favorecia os nacionalismos e fortalecia as recém-criadas identidades nacionais, tanto no Brasil quanto na Alemanha quanto nos outros países ocidentais. E a identidade nacional se forma pela negação do outro: é mais sobre excluir o diferente para construir a ideia de quem é igual e faz parte do grupo. Assim, os alemães, que preservavam fortemente sua cultura no Brasil, eram vistos como inimigos não só pelas guerras. Muitos tiveram, inclusive, seus pequenos negócios, escolas e igrejas destruídos pela população não-germânica no Brasil. Esse sentimento de ameaça em relação aos imigrantes também costuma acontecer, até hoje, em momentos de crise financeira e desemprego, e o mundo vivia na década de 30 as consequências devastadoras da quebra da bolsa de Nova York em 1929.
Os desafios de fazer o caminho de volta para a Alemanha
Na segunda parte do episódio 1, o Thomás e a Fernanda compartilharam algumas curiosidades sobre ter crescido no sul do Brasil com tradições que eles às vezes achavam que eram brasileiras, mas descobriram apenas ao imigrar para a Alemanha que eram alemãs. Em que medida abrimos mão da nossa cultura e assimilamos a do outro nessa transição? Como comparar as formas de comunicação daquela época com a realidade atual? Falamos também sobre preconceito, que os alemães sofreram no Brasil e que alguns tipos de imigrantes sofrem hoje na Alemanha – mas serão todos?
Ainda teríamos muito para discutir sobre a vida dos alemães no Brasil e dos brasileiros na Alemanha. Se você quer saber mais, ouça o episódio completo, partes 1 e 2. E se quiser saber ainda mais, dê uma olhada nas referências bibliográficas abaixo. A ideia desse episódio foi justamente falar de como a imigração de alemães para o Brasil teve uma série de dificuldades, e os paralelos que podemos traçar com a imigração de brasileiros hoje na Alemanha.
Já assistiu ao episódio #0? Nele eu explico a ideia e estrutura do Somos pq Fomos, e falo um pouco sobre o que aconteceu na minha vida para resolver criá-lo (tem só 12 minutos!).
>>> De fevereiro a abril de 2021 o SPQF produziu um podcast sobre história entre Alemanha e Brasil. Confira aqui a lista de episódios.
>>> Quer fazer um tour histórico de Berlim comigo?
>>> Você pode se cadastrar na newsletter para não perder as novidades.
>>> Siga o SPQF no Instagram.
Referências bibliográficas do episódio #1
Acervo digital do Museu da Imigração de São Paulo
Dia dos Avós e Dia da Imigração Alemã. 2017. Disponível neste link. Acesso em: 05 jan. 2021.
FRAZÃO, Samira Moratti. Política migratória brasileira e a construção de um perfil de migrante desejado: lugar de memória e impasses. Antíteses, [S.L.], v. 10, n. 20, p. 1103-1128, 1 dez. 2017. Universidade Estadual de Londrina. Código DOI. Disponível neste link. Acesso em: 05 jan. 2021.
SIRIANI, Silvia. Live – Imigração alemã em São Paulo. São Paulo, 25 jul. 2020. Instagram: @museudaimigracao. Disponível neste link. Acesso em: 05 jan. 2021.
SIRIANI, Sílvia Cristina Lambert. Os descaminhos da imigração alemã para São Paulo no século XIX: aspectos políticos. Almanack Braziliense, [S.L.], n. 2, p. 91-100, 1 nov. 2005. Universidade de Sao Paulo, Agencia USP de Gestão da Informação Acadêmica (AGUIA). Código DOI. Disponível neste link. Acesso em: 05 jan. 2021.
VON MÜHLEN, Caroline. Problemas de sociabilidade: o cotidiano na colônia alemã de São Leopoldo (século XIX). In: X ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA, 10., 2010, Santa Maria. Anais […] . Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2010. p. 1-19. Disponível neste link. Acesso em: 05 jan. 2021.